Por Que os Alunos nas Escolas e os Funcionários nas Empresas Não Estão Nem Aí

Fonte: André Camargo — médium.com


Título original – Engajamento: Por Que os Alunos nas Escolas e os Funcionários nas Empresas Não Estão Nem Aí

imagem: Eddy Klaus

 

“Os alunos de hoje não são como antigamente” — disse ele, em tom queixoso.

“Verdade” — respondeu ela. “O mais espantoso é que as escolas, as aulas e os professores continuem sendo.”


Empreendedorismo virou moda.

Tomar iniciativa, inovar, gerar valor. Resiliência, determinação, um espírito independente e criativo.

Assumir riscos. Farejar oportunidades. Fazer acontecer.

Seja no emprego, seja em um negócio próprio.

As empresas buscam funcionários criativos e empreendedores.

A pergunta de um milhão de dólares: Como se ensina alguém a ser empreendedor?

Resposta honesta: não dá.

É impossível.

Tipo: “vamos criar um programa para assegurar que as pessoas sejam espontâneas?”

Não se ensina espontaneidade. Nem empreendedorismo.

Assim como não se ensina uma planta a crescer.

imagem: Oldiefan

O que podemos fazer é reunir condições para que a planta — desdobrando-se a partir do misterioso imperativo no interior da semente — se transforme na árvore que pode ser.

A verdade é que bebês e crianças são empreendedores por natureza. São seres curiosos, exploradores; se pudessem, engoliam o mundo com a boca.

Uma criança saudável não fica parada, apática, aguardando instruções. Transborda vitalidade.

Aí vem o processo de escolarização.

Um longo e profundo treinamento em submissão, quase desde o berço até a idade adulta, para que a criança fique quieta, impedida de interagir com os colegas, sentada por horas a fio, ouvindo alguém falar e escrever com giz no quadro negro.

Ela precisa aprender a silenciar sua voz interior, a fim de cumprir o programa.

Ela tem que prestar atenção no que dizem para ela prestar atenção.

Ela precisa pedir para ir ao banheiro.

Afinal, ela é apenas mais uma em uma turma com um monte de outras crianças.

É fundamental, para que as coisas funcionem — na escola e na sociedade, que ela interiorize o cuidado institucional e o semi-anonimato. Que ela não vale como pessoa: quem ela é não vem ao caso, ela só importa enquanto aluno/a.

Para os operadores do sistema, a criança não tem valor em si, e por si mesma, senão como número.

O mesmo valor que costuma ter um único operário de chão de fábrica para o diretor executivo da empresa.

Em outras palavras, em meio à massa, é importante que a criança tome consciência de sua desimportância.

Uma criança educada, para nós, brasileiros, significa uma criança obediente, bem comportada.

imagem: Abigail Keenan

A criança independente, que tem iniciativas próprias, que recusa a conformidade dócil e insiste em fazer diferente, do seu jeito, é taxada de rebelde.

Não presta atenção na aula, quer conversar com o adulto de igual para igual, ir ao banheiro antes do intervalo, refratária a ameaças e punições: criança mal comportada.

Porque em ambientes disciplinares e hierárquicos como uma escola — ou uma empresa — o que o professor e o patrão esperam, no fundo, é subserviência.

Aí, às vezes, a criança rebelde precisa tomar algum remedinho, a fim de aplacar todo aquele empreendedorismo.


Descontando a modinha, a atitude empreendedora está se tornando cada vez mais imprescindível.

Seja para o sucesso pessoal, seja no âmbito coletivo.

imagem: Angelina Litvin

Se esperamos ser capazes de encarar os desafios e as demandas cada vez mais complexos desse nosso século vinte-e-um, dependemos de pessoas capazes de pensar, atuar e se relacionar de outras maneiras.

Quer dizer, não das mesmas maneiras que nos conduziram aos impasses atuais — como o aquecimento global, as crises migratórias, a insustentável concentração de renda e o terrorismo de grupos e Estados.

O que nós, que tomamos decisões sobre a educação das crianças, precisamos fazer é deixar de sufocar o empreendedorismo nato do ser humano. Sua capacidade de chamar a responsa, pensar com originalidade e seguir o caminho do coração.

Sabe o que temos feito?

Calamos seus gestos espontâneos, administrando doses crescentes de medo, repetidas vezes, e depois, nas faculdades de Pedagogia, nos reunimos cerimonialmente para quebrar a cabeça em torno da questão central da Didática: como fazemos para motivar nossos alunos?

Nos departamentos de RH, é a mesma coisa: parece que tudo vai se resolver desde que mobilizem verdadeiras fortunas para contratar o palestrante motivacional da hora, ou o guru de auto-ajuda mais cobiçado do momento.

Ora, a pergunta deveria ser outra: como paramos de desmotivar alunos e funcionários? Como preservamos a curiosidade, o interesse, o comportamento empreendedor de um bebê?

Como criamos ambientes e mobilizamos recursos facilitadores da criatividade, da experimentação, do engajamento autêntico?

Como estabelecemos com as crianças — ou com adultos — relações que convidem uma genuína atitude empreendedora (no lugar do conformismo, do ajustamento e do pacto social pela mediocridade)?

imagem: Eddy Klaus

Quando estamos envolvidos com algo que faz sentido para a pessoa que somos e para o momento de vida que estamos vivendo;

Quando nos engajamos em atividades que nos aproximam da nossa verdade, da expressão de nosso potencial oculto e daquilo que a vida parece esperar de nós;

Quando sentimos que temos espaço para oferecer nossa contribuição única ao mundo;

Ou quando nos sentimos livres para criar, para assumir o risco de experimentar nossas ideias sem o medo aterrorizante de cometer erros, não precisamos de didática, incentivos ou estratégias de motivação.

Não precisamos ser arrastados por meio de punições e recompensas.

Não precisamos de notas altas, participação nos lucros ou festa de fim de ano da firma em hotel cinco estrelas.

Não é?


Eu vejo a Escola e a Empresa como etapas diferentes de um mesmo contínuo.

imagem: Oscar Keys

A criança, pequena, é depositada sobre a esteira rolante e levada adiante, reduzida à passividade: primário, ensino médio, faculdade (talvez pós), emprego, troca de emprego, aposentadoria.

Vai seguindo como os outros.

Afinal, da perspectiva do desenvolvimento do país, em um paradigma industrial, a função principal da educação em massa é abastecer o mercado de trabalho com empregados dóceis.

O processo de desempoderamento, passividade e doutrinação é necessário para que as pessoas aceitem abrir mão de seus sonhos e projetos de realização pessoal em troca de um emprego de bosta com um salário cada vez mais mixuruca no final do mês.

Estima-se que 7 em cada 10 profissionais estão insatisfeitos com seu emprego ou com sua carreira.

O que é um número assustador.

A gente troca as infinitas possibilidades que uma vida humana pode proporcionar pela promessa de aceitação social e mera sobrevivência. Apenas para seguir em frente, sem chegar a lugar algum.

Passamos a integrar o rebanho que aposta na felicidade por meio do consumo (a crença de que gratificações externas possam nos preencher); temos pesadelos de perder emprego, ficar sem grana, passar vergonha com a família e os amigos.

Tragédia: ver-se obrigado a vender o carro, ser visto em público usando celular antigo tijolão.

Então nos tornamos realmente bons em abaixar a cabeça e engolir sapos.

E assim atravessamos a vida condicionados por desejo de prazer e medo de rejeição.

imagem: Ali Inay

Às vezes, ao longo do percurso, a gente perde contato com nossos sonhos, talentos e paixões. Já não sabemos dizer o que queremos da vida, já não somos capazes de identificar que caminho pode fazer nosso coração vibrar de alegria.

Olhamos para dentro e, apenas, um imenso vazio.

Olhamos para fora e não sabemos mais por onde seguir.


O que gera engajamento é a liberdade para criar. Poder assumir as rédeas da própria vida.

Poder dedicar tempo e energia à tarefa de cumprir nosso destino humano — a materialização, na realidade social, do potencial de oferecer, por meio do trabalho, nossa contribuição única à comunidade humana, uma contribuição sentida como desdobramento natural dos talentos e paixões que emanam de nosso ser.

Talentos e paixões que, nesta breve passagem pela Terra, têm a oportunidade, possivelmente única, de se manifestarem, de serem vividos, cultivados e aperfeiçoados.

Então nos sentimos naturalmente engajados em processos de aprendizagem, empregos, trabalhos e ocupações que acolham nossa jornada de realização pessoal.

imagem: Anubhav Saxena

Nos movemos para além da sobrevivência mecânica, na direção de uma vida com sentido e significado, em plenitude e abundância.

No entanto, escolas e empresas (claro, com exceções) organizam-se segundo uma lógica hierárquica, autoritária e impessoal, focadas em desempenho— em tudo indiferentes, portanto, à expressão de nossos anseios mais profundos.

Você tem aí uma semente de mangueira, mas espera-se dela que dê uvas.

Uma semente de abóbora forçada a produzir maçãs.

Em outras palavras, construímos coletivamente um mundo em que pessoas com alma de artista se tornam feirantes. Pessoas com alma aventureira passam os dias fechados em escritórios e repartições. Pessoas com alma visionária vendem peças de aparelhos ortodônticos para (sobre)viver.

Por condicionamento social. Por inércia. Por medo.

Atravessam a semana ansiando pela sexta-feira. O final de semana todo em letargia ou, ao contrário, em uma excitação maníaca, claramente compensatória. E no domingo à noite a perplexidade, a angústia ou o desespero.

imagem: Volkan Olmez

Abatidos pelos ecos daquela sensação asfixiante empurrada para algum canto escuro da alma — a sensação de estar desperdiçando a própria vida.

Então escolas e empresas se vêm forçadas a gerar artifícios, como bônus por desempenho, medalhas de excelência acadêmica, convênio médico e ticket-refeição, para distraírem as pessoas da tristeza ontológica por desistirem de si mesmas.

O que não tem como funcionar.

Porque o problema real não é o profissional desmotivado, como se ele tivesse algum defeito, mas todo o contexto: uma estrutura organizacional que exige das pessoas que se desconectem de seu núcleo de vitalidade em nome de metas e objetivos que não lhes dizem nada.

Esforço mecânico, sem sentido, como Sísifo montanha acima.

Ou seja, o primeiro passo para estabelecermos projetos vivos e parcerias vibrantes, verdadeiramente transformadoras, é reconhecer com clareza que o próprio sistema (de educação formal ou de trabalho assalariado) gera os problemas que depois não somos capazes de resolver.

(Como tomar um remédio que dá dor de cabeça e depois ficar tentando resolver a dor de cabeça, sem que nos ocorra simplesmente parar de tomar o bendito remédio.)

Tentar resolver as coisas, hoje, conservando a estrutura organizacional inalterada envolve o mesmo tipo de contradição.

imagem: WikiImages

Só podemos aprender, de fato, seja na escola, seja no workshop corporativo da moda, aquilo que faz sentido, para nós, aprender. Caso contrário, o boicote vem de dentro.

Repito: não basta procurar artifícios substitutivos cada vez mais engenhosos — como processos de coaching e liderança pagos pela empresa, vale-spa ou escritórios boutique, quando o que esperamos do outro é que renuncie àquilo que o faz sentir-se vivo.

Organizações que carecem dessa auto-crítica — e portanto se mostram incapazes de identificar a necessidade de mudarem, elas mesmas, e não o funcionário — estão fadadas a ruir.

A mudança deve ser estrutural e não periférica ou cosmética. A fim de sobreviverem aos próximos anos, escolas, faculdades e empresas precisam investir na articulação emergente de culturas organizacionais que envolvam, por exemplo, maior abertura e flexibilidade nos processos de tomada de decisão, liderança rodiziada e co-distribuição de recursos e responsabilidades.

Organizações humanas alinhadas pelo propósito, o sonho compartilhado que funciona como núcleo de vitalidade de qualquer empreendimento coletivo.

Para tanto, devem renunciar ao modelo instituído das hierarquias de controle e se reinventar em um paradigma distribuído, em rede.

Além de funcionar tomando por base o que cada pessoa traz para a mesa, o que está disposta a aprender e o melhor que tem a oferecer.

Faz sentido?


imagem: MarkColt

Em um mundo onde as pessoas encontrem oportunidades de operar a partir de seus talentos e paixões, que daí transborde sua contribuição pessoal para o coletivo, não há necessidade de programa de recompensas, avaliação 360º, professores, provas, notas, controle de frequência, lição de casa, gerentes, inspetores e supervisores.

Bastaria a associação horizontal virtuosa de pessoas seguras de estarem vivendo a vida que estão destinadas a viver, dispostas a apoiar os sonhos de crescimento e realização umas das outras.

Sem renunciar à verdade do próprio ser.

Um cenário algo utópico, admito (e talvez um tanto ingênuo)— mas em que, seguramente, a questão do ‘engajamento’, que é apenas um sintoma, dissolve-se em si mesma.

Ainda que nunca cheguemos lá, penso que vale a pena caminhar nessa direção.

Então, para responder em poucas palavras: Por que os alunos e os funcionários não se engajam mais?

Porque, ao longo dos últimos séculos, fomos organizando coletivamente um mundo em que o que se espera das pessoas não faz sentido para quem elas verdadeiramente são.

Em meio a revoluções cotidianas, a Educação e o Trabalho seguem tornando as pessoas surdas aos Chamados de suas almas.

Hoje, na transição de limiar do mundo industrial, de hierarquia e controle, para o mundo aberto e descentralizado que a internet fomentou, distribuído em redes abundantes de contatos, recursos e possibilidades, as velhas rotinas tornam-se intoleráveis.

Até porque, no ambiente atual de hiper-excitação, o risco é sobrevivermos em contínuo estado de dispersão, como perdidos em um labirinto de espelhos. Desenraizados de nós mesmos, mergulhados em um presente eterno, de relações líquidas, prazeres imediatos e buracos sem fim.

Na minha opinião, o que tem o poder de motivar verdadeiramente não são incentivos cada vez mas atraentes, mas a chance de avançar para além da busca ansiosa por seguranças efêmeras, prazeres instantâneos e simulacros de felicidade.

Arranjos humanos que, enfim, nos permitam atender ao imperativo de Nietzsche:

Torna-te quem tu És!

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